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23/10/2015

As cartas da Rita

"- Ele disse que voltaria à rua dela..."

Foi a última coisa que segredou.
Depois fechou os olhos e repousou de vez.
Falava da história da Rita.
A do Monte Seco.
O Zé era o grande e único amor da vida dela.
Nunca conheceu outro nem procurou mais nenhum.
Ele tinha emigrado para a América.
Foi embarcado no "Calisto", 
um navio grande e branco sujo.
Partiu para dez dias de Mar, 
sem nada que lhe atasse a vida a este pedaço de chão a não ser ela.
Mas lá foi.
Ela por sua vez esperou por uma carta.
Uma das cartas prometidas e que seriam supostamente escritas todos os dias.
Mesmo com temas e novas repetidas, isso não faria mal.
Ou um postal ou mesmo um telegrama a chegar à Loja do Sr João do Campo.
Nada.
Nenhuma memória se havia tornado tão forte como a do rosto dele.
Naquele adeus, 
naquele dia, 
mesmo com as lágrimas a inundarem o convés dos olhos dela, 
o último olhar tremido dele,  
ansioso e enervado, 
quedou-se digno e amoroso no peito da Rita. 
Porém, durante anos e anos, nem se conhecia se era vivo.

Hoje, neste último dia da Sra. Ascensão, 
a Mãe enlutada da nossa Rita que já há muito
padeceu de desgosto de uma vida eterna sem a sua metade; 
receberam-se novas do Zé.
Por fim... 

"-Ele está enterrado em Nova York.
Quando desembarcou foi morto numa rixa por um lugar numa fila de emprego.
Tinha no saco que amigava consigo, 
uma dezena de cartas para o Monte Seco."

Cartas para enviar à sua Rita.
Chegam amanhã ou depois na volta postal.
Foi o Filipe, o filho da Joana da Farmácia que soube do paradeiro dele. 
Assim que chegarem ao destino,
vou colocá-las na campa da mulher que ele tanto Amou.
Deixo-as lá por abrir.
A Mãe Ascensão leva à Rita o recado.

Ele disse que iria voltar um dia.
Não veio ele, 
vieram as suas palavras....