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27/08/2015

Aqui

Estou aqui! 
Vejam... 
Não tenho razões para aqui não estar. 
Tenho o peito feito ao ar que respiro, 
um sossego a jeito no meu olhar, 
uma nota de sorriso aberto na minha boca. 
Estou aqui. 
Com a face do sujeito, 
a fé no verbo, 
a cumplicidade do adjectivo que me faz aqui estar bem. 
Tenho os olhos nas distâncias sem razão de medir ou escolher qualquer caminho, 
porque todos os caminhos e as escolhas podem ser minhas. 
E o meu cabelo mal comportado é mesmo assim; 
e a minha expressão é mesmo esta numa paz conquistada aos elementos. 
Estou aqui! 
Sorrio e detenho a opção de este espaço ser o meu ponto de partida 
ou a meta de chegada. 
Vejam!



Foto By Susana Alexandre
 http://susanaalexandre.com




Pele

Tenho-Te na minha pele!  
Mesmo com todos os rasgos e marcas de uma vida feita de tudo,  
trago-Te na minha pele!  
É um pedaço de pano velho que me cobre de alto abaixo,   
à largura dos meus ossos e ao contorno raso 
da minha expressão e passo.  
Cubro-Te com ela, descolorada e sem esconder   
os sinais das estradas das lágrimas e das pegadas dos sorrisos.  
Arrecado-Te das partes cicatrizadas,   
rudes e rijas,   
sem a suavidade de um outro tempo e abarco-Te com a melhor parte dela.  
Não é uma pele já bonita,  
nem é doce ao toque dos dedos,   
nem mágica ao carinho dos lábios;  
mas é a pele que eu tenho e por ser minha, 
por ser mais que um pedaço de mim;  
sobrevive para ser Tua,   
mesmo neste quadro parco e envelhecido assim...   
Vives na minha pele!
Habitas nela por entre as memórias de noites e Luas,   
de horas com e sem começos.
És a minha pele.  
Toca-lhe e sentes o Teu toque em Ti. 



Foto By Susana Alexandre
http://susanaalexandre.com




La fenêtre du bonheur


Vejo o Mar.
Sem ter a certeza que é o Mar de agora.
Sem saber se o conheço ou se o lembro de uma outra hora.
Brilha mil vezes com os mil raios de Sol
que o beija outras tantas mil.
Marca-me como quem marca a página de um livro
com uma dobra a um canto,
com o receio de perder o fio do caminho das palavras.
A janela está como eu estou.
Assimétrica, com o peso e o trato dos anos e do abandono
do que se ignora, de algo que é prescindível e que já foi notado.
Não se faz mais caso do que simplesmente ali está,
no posto atribuído,
no compasso da lembrança de um antigo passado.
A cadeira já me diz um adeus,
já pediu para não me sentar mais nela,
agora que é do Sol e amigada ao Luar.
E sim, sinto o escuro que vem em névoa abençoada e de paz.
Vejo o Mar, as ondas em luz,
o Horizonte que tanto mudou,

desde que o chamei pela primeira vez num grito pasmado.
Foi plano, escadeado,
picado como os dentes de uma serra afiada em suor.
Hoje adora os Céus e pede que lhe renovem a linha
para que faça sentido como Horizonte outra vez.

Vejo o Mar…
Sem ter a certeza que é o Mar de agora,
mas certo que é o Horizonte e o Mar iluminado,
que num quadro pincelado numa doce velha janela;

aconchega-me o olhar pela última vez nesta hora...



Foto By Susana Alexandre
http://susanaalexandre.com





21/08/2015

Rasgo

Um perfume guardado. 
Aquele que não assombra nem disfarça.
A mão de dedos reais,
com toques da terra, 
ar, água e lume e das que matam a fome e o desejo.
As sombras que provam que existe o Sol, 
o calor e a vontade suprema da brisa fresca e restabelecedora.
Um discurso enervado e não nervoso,
assumido e não exuberante, dizendo só o que é para ser dito.

Um perfume apropriado,
aquele que eu reconheço como o que é teu, 
que eu misturo com o meu cheiro,
subtraio à memória dos dias e abraço nas histórias todas que vivi
ou sonhei viver.


Um perfume.
Só um cheiro de memória que com o tempo,
como o nevoeiro nas manhãs que quando é, 
já o deixou de ser.









16/08/2015

É só

Os recados que ficam por dar, são apenas isso. 
Palavras em suspenso, 
gotas de chuva que escorrem nas paredes de ruínas fincadas 
em prova de outras vidas. 
Não importa o que fica ou o que ficou por afirmar, 
ou mesmo em hipótese por comprovar. 
É só importante tudo o que hoje se fala, 
num instante acertado ou descomposto! 
Importa a frase do momento, 
o discurso embalado sem inercias. 
Ou mesmo um ato de silêncio contido num agora, 
que vale por mil recados que nunca deixaram de ser dados.



13/08/2015

Um sem o outro

Pedi-te um instante.
Deste-me uma hora.

Pedi-te para me veres de forma diferente.
Olhaste-me sem a menor noção da demora.

Pedi-te um beijo dado.
Respondeste-me que não era preciso eu o pedir.

Sem supor, deste-me um abraço doce e tão encaixado.
Queria contigo ficar e acedes-te que eu não tinha mesmo de ir.

Então dei-te sem pedir um outro beijo.
E a tua boca na minha ficou sem tempo, cor, nem hora.

Partilhamos a dois este mesmo desejo...
Nunca mais partir um sem o outro agora.







11/08/2015

Viver assim

Dividimos tudo.
Somos experimentados em compartimentar os pensamentos, 
as acções a tomar, as palavras a dizer ou a silenciar.
Temos cercas que guardam e protegem de contágio, 
as vidas dentro da nossa vida,
as nossas actuações enquanto profissionais, pais, filhos, 
amigos ou malditos conhecidos.
Tomamos este tipo de acção unicamente por uma questão de funcionalidade, 
de tentativa de controlo ao máximo do que é incontrolável, 
num acto de sobrevivência só nosso e tão pouco inteligente.
Mas assim funcionamos, vivemos e lidamos com todos os aspectos que nos 
influenciam, transtornam, tocam, 
modificam e nos definem para o bem ou mal.
Resolvemos os problemas e guardamos as soluções em gavetas acessíveis, 
para acumulando em arquivo de experiência;
as poder dispor à mão numa ocasião que requeira tratamento igual 
ou semelhantemente adaptável.

No entanto, para o nosso espanto e prazer,
nasce por vezes milagrosamente, 
algo que por ser tão inesperado, puro e são;
nos faz sorrir à larga e pressupor que a vida não é de modo nenhum 
totalmente seccionável.
Algo que mostra que existe o destino, esse ente esquecido, 
que nos faz acordar dos marasmos, 
das rotinas e não ter a necessidade de classificar a razão de ser de um sorriso,
numa empatia presente e distante de uma outra voz.

Gosto de viver assim.
Quem me vê, vê-me.
Com os meus rituais e modos que me classificam, identificam e individualizam.
Sou este nome, este corpo,
olhos e pessoa que vive agora a descoberta da vida sem divisórias.
Esta descoberta que é tão boa se for também partilhada.


Não dividamos tudo.
Tudo pode ser nada.