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20/12/2014

Limbo

Apetece parar.
Não me mexer.
Nem falar ou crer.
Só estar.

Apetece-me nada me apetecer.
Parado em estado mudo.
Com o silêncio de dentro a nascer.
Sem escutar, estar só surdo.

Apetece-me esquecer o meu nome.
Premeditar quando os meus olhos se fecham.
Não sentir nem frio, sede, fome.
Viver ao vento, sentir que os meus pés não se queixam.

Apetece-me,
rever sem estar, sem embalar a dor.
Sem dar oportunidade ao que me consome.
Avançar sem temor.


Nasceria de novo
só para ter a certeza comprovada,
de que afinal não nasci para nada.





O inverso

Carrego os teus pesos no meu corpo e não me faz
peso nenhum nem trás esforço ou dor nova.
Carrego o cerco que te cerca,
prende e arremessa para o vazio,
mas arrebento-o, liberto-te,
solto-te as amarras,
dou-te à vertigem do abismo
que queres tanto abraçar.
Suporto as ausências, as indiferenças,
as metades por completar.
Percebo que o fechar de olhos
não é garantia de sonhos ou
de um sono conquistado ao desespero.
Ergo-te sem me baixar.
Escalo a parede abrasiva,
a que me fere por dentro,
que me divide sem ser ao centro,
corta-me pela raiz, nega-me à luz,
a que eu deixei aqui erigir porque foi o que quis.
Noto num segundo que vim ao mundo
por não saber ao que vinha,
mas que se o desejar,
o abandono num tempo mais curto
que as harmonias entre as ondas do Mar.
Sou fraco, forte, firme, forrado de mágoa.
Sou o espaço entre os teus passos,
o mesmo que se ignora ao caminhar.
Vou quando vens.
Ausentas-te quando estou.
Demoras-te sempre que a senda me abraçou.

Carrego.
O que não pesa em mim,
mas que te pesou.
 








18/12/2014

Desalmado

Dei o nome ao rasto.
Subi as escadas 
sem ninguém que escute os passos.
Preguei o endereço 
por debaixo da fotografia.
Comi as lágrimas em catadupa.
Misturei-me nas vidas 
com jogos de luta.
Pedi o que não era para ser meu.
Ousei e não abusei das ramadas 
das árvores enervadas.
Tirei a minha prata dos cabelos e a mergulhei 
em teses de ideias desfeitas.
Atirei o meu dedo ao altos.
Arrumei-me por dentro dos dentes.
Aprimorei a minha destreza 
derrubando muros de energúmenos.
Apaixonei, fiquei estático.
Nos soalhos estavam 
pedaços escassos de mim, 
os que a ventania não quis.

Na minha frente,
só sobrou a raiz.




17/12/2014

Silêncio vidrado

Pedi-te todas as tuas palavras.
Pedi-tas sem me esquecer de nenhuma.
Pedi as palavras que conhecia,
as que não sabia,
as que ficaram por dizer,
as que eram repetidas ao exagero,
as que eram perfeitas e imperfeitas demais,
as que nunca proferiste,
as que te eram amargas, 
doces, afiadas, doentias, 
bastadas, magras, acenadas, 
choradas, despidas,
sofridas, envergonhadas, ostentadas, 
porosas, sujas, amadas, 
abraçadas, apoiadas, apertadas, 
apaixonadas, sonhadas, soçobradas...

Supliquei-te as palavras todas.
As palavras que eram intimas comigo.
Contar-me-iam-me tudo o que existe para saber.
Sumariam os restos do que ficavam 
nos cantos dos livros por ler.
Seriam o lençol feito de linho da minha mortalha,
a veste para outra vida, 
a presença mutilada sem falha.

Pedi-te as tuas palavras todas.
Em silêncios de tijolo rude me respondeste.
Não tinhas nem palavras 
para me dizer!









16/12/2014

Escolha

Fui para o meio do deserto para te esquecer!
Entre palavras caídas, 
pisei as que tinham as letras do teu nome.
Para que o que não é visto, sentido e bafejado,
não seja mais pronunciado, gritado ou ungido!
De penumbra me trajei e deixei o meu corpo fugir de mim.

Nas rochas quentes e abrasadas,
escrevi o ultimo poema da minha vida.
Não escreveria nunca mais!
Nem mesmo o meu nome,
porque o meu nome tem as letras do teu a mais.

E engulo em seco.
E fecho os olhos para os não abrir nunca mais.
E mordo a língua para não falar nem dar vazão e fuga à dor!
E aprisiono o meu corpo nestas dunas feitas de metades de ti.
E baptizo-me em areia milenar, 
torno-me deserto,
porque é aqui que vou ficar.

Ninguém me ordenar a deixar de amar!




Desabafo expresso

Não sei o que é "um atraso parcial".

Para mim ou se chega a horas, ou adiantado ou atrasado.
Será isto agora mais um espectro de cor numa expressão?
Será que podemos justificar o injustificável por lhe mudar o nome,
a forma de como se diz?

E já agora, porque agora se diz tanto que vamos fazer uma "meeting"?
Já não está em vigor a palavra "reunião"?
Esta entre outras...

Vejo isto mal parado.
Não parcialmente.




Rotina

Vinha sentado no autocarro,
de costas para a marcha.
Vi as imagens a passar pela janela manchada.

As bermas da estradas, 
sujas de lixo, folhas,
ramos descartados e jornais já mortos.
Embalei-me neste remoinho de paisagens repassadas,
vistas doutro modo, 
com o princípio a ser o fim.
Vi os rostos das pessoas, 
os olhares, as vozes.
As conversas ao telefone que de privadas 
passam a públicas,
os segredos que deixam de ser segredados.
Apego-me aos livros que uns lêem.
Indefiro as vidas pelas caras.
Aborreço com as músicas que me afrontam.
Reconheço uns, ignoro aqueles e acalento outros.
Moram ali como eu 
durante os minutos da viagem em solavancos
premeditados e medidos, 
travagens mais ou menos perdidas,
com o cambalear de quem dormita,
discussões sobre atrasos os adiantamentos,
barulhos, falas, doses de ruídos,
partes de odores e testemunhos de amores
e desavenças.

Vinha sentado no autocarro,
de costas para a marcha...
Mas estava de frente para pensar e reflectir
nestas vidas, hábitos e maus hábitos.

Eu lá ia e eles estavam comigo.
Desde a minha paragem até uns outros mundos...



Sem dúvida

Não vás embora agora que ainda é tão cedo.
Não saias agora para o frio agreste, 
que corta as lágrimas de quem chora,
que despe um sorriso a quem o veste.

Mas se fores embora, vai-te de uma vez!
Uma sem retorno, regresso, 
revolta, retrocesso!
Se fores embora, não ficarão em mim 
mais recados de ti, 
nem no meu peito o teu toque,
nem na minha boca o sabor dos beijos 
a teu jeito.

Mas não vás embora agora.
Quero-te em mim.
Como a árvore quer a raiz.
Sem frases a fugir com palavras 
que desejam ficar e silêncios 
que vivem no partir.

Não tomes o meu conselho, 
fica só se quiseres aqui estar.
Não julgues este apelo como o pranto 
da doca que vê o navio bravo que parte ao mar,
que se afasta do seu regaço outra vez,
restando-lhe só as ondas para a confortar.

Não vás embora agora ou vai-te de embora de vez!
Fica ou abandona.
Volta as costas ou caminha para a minha cama!
Das duas, três...




15/12/2014

Passos nús

Não me lembro dos passos 
que dou pela calçada.
Não por não me aperceber 
de quais são as minhas passadas, 
pegadas ou rastos.
Não por não conhecer o pisar dos meus pés.
Em exclusão de partes e unicamente, 
simplesmente, 
em absurda e concreta lógica,
não reconheço é esta calçada,
este solo que percorro, 
o chão onde me finco.

Não sou capaz de descortinar 
se venho ou vou.
Perante estas evidências ou ausência delas,
sei apenas, 
que parado é que eu não estou.




13/12/2014

De um só corpo

Observo a janela plantada de gotas de chuva.
Gordas e escorridas.
Passeiam-se pelos vidros como heras de lágrimas 
num rosto em sinal de parco alívio.
Capto as imagens por detrás delas.
O cenários distorcidos, sem linhas rectas, 
com as figuras humanas profanadas,
faces indefinidas, mareadas, anuladas.

Suspenso nestas miradas eu me deixei aportar.
Apago-me, 
anulo os toques e a capacidade de ser tocado.
Sobro-me.
Fico com os pés assentes em chão real, frio.
Noto, valido que ao fundo da minha cama, 
só se contam um par de pés.
Que a minha almofada é a única neste espaço.
Reconheço os livros que foram lidos a dois e os que só eu li.
Sem me condenar à critica, 
afirmo que o estar aqui é mais do que 
só estar sozinho.
É uma presença com valor de muito mais que um mero ato.

Vejo as janelas molhadas, 
semeadas de gotículas, espuma de águas,
sem que agora esteja a chover.
São as lágrimas que sem pedir licença ou vazão,
forram-me os olhos,
enxaguam-me as mãos.











Condicional

Ficaria sem ter dó.
Sem refrear a respiração para não dares conta 
de que estou perto.
Ficaria aqui, 
neste manto de sol e chuva,
com as pedras da calçada por companhia, 
com as linhas assombradas do eléctrico 
a imitarem as linhas da minha mão.
Ficaria sobre o mar, 
como a gaivota que se banha de vento e toca
as ondas sem quebrar a superfície, 
para assim não perceberes 
que me deito a teu lado.
Restava-me aqui ou acolá,
sem ninguém a inquietar-se com a minha ausência,
sem a importância de aqui estar ou ser.
Sem a sombra que me revelaria em traição doce, 
sem os nós dos dedos a estalarem 
ao ritmo dos teus suspiros.
Ficaria a um canto,
a sonhar-me no teu colo, 
continuadamente manso e sem dor,
para não saberes que me tinhas no teu regaço.

Dar-me-ia de um jeito que seria só 
o meu modo único de te amar.

Ficaria,
mas serias tu a não querer ficar.









09/12/2014

Fotografia

Está tudo partido. 
Fora do lugar, 
dos centros e das presenças. 
Encontra-se tudo o que era palpável, 
a meia haste. 
Sem imagem, número ou estante. 
A confusão nas palavras torna-se tortura fácil. 
As orações em pedidos minúsculos, 
são enjeitadas logo ao princípio, 
tal como uma dança a dois, 
mas sem ter um par. 

Não existe forma de reparar tudo. 
Não temos modo de nos abandonarmos 
ao espaço e voltar a ter os acentos todos nas letras, 
a comida na mesa em cada prato devido.
Não há nada a consumar. 
Estão todas as horas partidas, 
quebradas, exaustas, resumidas, 
sem a ponta do começo. 

Vejam as luzes amarelas da cidade 
em neblinas de cores alternadas em tons baços
de uma matriz feia. 
Confirma-se tudo partido. 
Desunido, 
sem pista dos pedaços dos cacos feridos. 
Disperso só com a miragem 
do que era magia.
Uma fotografia feita só de um pano de fundo.


Fecha-se os olhos e some-se a realidade.
Apressa-se a morte mais um dia.
Um de cada vez.











07/12/2014

Ilação


Sei de um outro tempo.
Sei de um outro Agosto que não este.
Sei de um minuto traçado num momento a desenho em mão livre
sem sinal de desgosto.
Sei da areia irada com a chuva,
da chuva que se nega às dunas.
Sei da estrada que se tornou num único caminho,
do destino das terras paradas num outro tempo.
Sei do que se discute em discursos fartos em ar.
Sei das sedes, das fomes, das guerras e mortes.
Sei dos que já não guardam mais lágrimas,
dos pedaços de céu que se reclamam,
dos podres regurgitados que ficam à tona nos copos
em reuniões dos que se acham em direito de decidir seja o que for por nós.
Sei das anotações nas margens nas mentiras desavergonhadas,
das verdades silenciadas,
das falsas verdades denotadas em friezas.
Sei das sebes em cercados como muros em altura de ingenuidade,
moradas dos segredos aflitos que teimam em querer deixar de o ser.
Sei dos olhos que nasceram só para ver em infinito,
dos que não fatigados, vivem e habitam no horizonte.
Sei dos corpos nus, molhados e suados em luxuria colhida.
Sei dos pedaços de história esquecidos em valas de terras inférteis negras,
de mortos vivos e de vivos mortos.
Sei de passados sem história e de futuros ausentes de passado.

Sei de quase tudo.
Sei de ti.

Estupidamente,
como quem não é capaz de olhar na luz viva,
não sei é mesmo de mim...










Exauridos

Faz de conta que sou só teu.
Que o deserto tem águas de rios amigados.
Que o tempo não mais se mede em horas certas.

Toma como certo que os milagres são lugares comuns,
que os homens são seres de boa índole.
Que as manhãs não significam mais um dia de sofrimento,
mas são um aviso avistado de esperança.

Faz de conta que o mundo é nosso,
que aqui somos Reis, não escravos doridos.
Faz de conta que tudo está bem,
que um dia poderemos parar de fazer de conta.








06/12/2014

Sem a norma

Rezo de pé.
Faço-o não por estar 
em desrespeito, 
mas porque estou farto 
de estar de joelhos.
Rezo em pé e com as mãos abertas.
Soltas.
Não por não me recordar de como se reza, 
mas porque estou farto de ter as mãos atadas 
em inacção.
Rezo em pé,

de olhos abertos.
Não por ser como um S.Tomé e querer ver 
para crer.
Singelamente, 
estou farto de ter os olhos fechados por quem mos deseja sempre cerrar.
 
Rezo de pé,
mas ao menos,
ainda que de pé,
eu ainda rezo.



04/12/2014

Convoluto

Quarto sem cama.
Em espanto.
Casa com azulejos em escolha deveras feia.
Som sem emenda.
Abraços sem braços.
Tu.
Corpo em mentira.
Tudo em cheque.
Telhado sem chão.
Pedaços de tijolo sem razão de ser casa.
Tumultos nas células.
Segredos em maços de beijos.
Cigarros que não foram fumados por não ter quem os fume.
Tu.
Esmorecimentos.
Ausências sem solidão mesmo.
Sede e fome de ter sede e fome.
Se.
Se não.
Quartos sem nomes e sem quem faça amor neles.
Serpentes sem dentes como os teus cabelos.
Fugitivos sem nexo.
Tu.
Sempre tu.

Sem um eu pelo meio.







03/12/2014

Será

Será um dia vago?
Um pedaço de estrela esquecida que caiu do céu?
Será um aceno de um adeus 
que parece ser em regresso e não em partida?
E em que ramo de árvore está o ninho 
que foi abandonado por já não ter um propósito?
É este o álbum de retratos que em desconsolo é folheado 
como quando se tira a pele a uma cebola e se fina em choro?

Será um dia vago?
Um soneto sem fim escrito?
Uma interrogação sem sujeito e o singelo verbo?
O que é esta falta em vazio mortal?

Não é nada demais...
Só a ausência da tua mão 
no meu ombro e o peso do teu queixo com ela.




01/12/2014

Papéis

Tenho caixas cheias de ti.
Blocos de papel em pirâmides, 
sujeitos ao teu desígnio.
Tenho pensamentos em livros guardados, 
numa arca fora de mim.
Encontrei notas de rodapé no meio 
dos meus cabelos.
Tenho segredos em arquivo fechado,
assegurado e encerrado, disponível a abrir.
Sei de cor os teus tipos de sorrisos,
as frases que dizem as tuas mãos.
Sem que abras a boca,
sei que não tens os sisos..

Amontoei-me de ti.

Perdi-me por entre os papéis.