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31/03/2014

Biografia de uma ilusão

Mil e uma coisas quero conter dentro de mim.
Tantos mil e um sentimentos espinhados
eu quero dispersar sem demora!

Igual número de vezes não procuro 
por o que me faça sofrer despido a um canto,
na sala rude da minha alma fria e desarmada.

Tantas e tantas noites amigadas
em que adormeci no lugar posse de outrem que não eu.
Pensava ser este o meu domínio,
mas não. 

Ocupei só o espaço.
Agora;
preocupa-me o meu desprendimento 
da esperança de me encontrar.

Tenho apenas só saudades de mim. 








Tábuas

Maldade sobrada
regada a sangue e mel,
trago em mim para te querer mal! 
Mas não o faço! 
Não sou capaz!  
Tenho este amor arpoado,
sincero e puro,
só para te amar!


A loucura soçobrada é minha companheira de leito.
Habita-me contrafeito 
para que possa sofrer mesmo assim por ti.


Esta vida a que chamo minha será ela tua de dispor;
se por um segundo a jeito, 
uma palavra roçada a amor,
viaje da tua boca de pedra para este alheado coração
que é meu de pulsar e teu de dar guarda.


Por isso fala!
Proclama esse teu amor,
bate-me no peito,
fere-me de morte! 
Dá as tábuas do meu caixão
a terra fria e o jazigo de pedra branco.
Mas diz e grita o que sou!


Por um segundo fútil que seja,
dá-me conta de que estou aqui;
rouba-me o olhar e o nome deste homem que te ama!







Subtilezas

Não me causam cuidado ou preocupação, 
as palavras que não dizes ou professas.
Preocupam-me todas as frases que guardas e não dás a conhecer 
em som vivo.

Nesse silêncio carniceiro, 
tudo é improvável e mesmo até amarrado.

Deste modo ancorado, 
sem ter a noção de saber porque padeces;
abomino a razão de não ser eu quem te cobre e repousa
num abraço interminável e aquecido!




30/03/2014

Mural

Neste sopro de ternura,
nas páginas da sombra da minha vida escura,
no momento em que foi gravado 
a ferro em brasa em mim, 
selado a lacre cor de sangue;
num desespero soturno e abusado que terminou e ficou 
sem mote para ser visto,
numa loucura sábia e azul, 
supra pensada e matutada,
nas tensas calmas raivas 
dos que me nutrem a voz de fervida ira;
nos recantos e esquinas sujas 
apelativos de duvida na minha mente e razão,
na arritmia do coração 
a que apelidei de meu que agora jaz quebrado,
aprumadamente estilhaçado,
no segredo mal amado e embevecido 
por debaixo do meu travesseiro...

Surge esta minha inóspita sobrevivência e potestade.
Estranhamente;
não sei eu de onde ela nasce e corre.
Existe, 
é e vacila sem queda ou tombo malhado.

Vai consumindo-me, 
amando-me e retorquindo que é também parte numeral de mim.
Ficamos pois assim.








29/03/2014

Rostos

As rugas
são o mapa desenhado no rosto
de quem já viveu as eras que são as suas.

O respeito,
o carinho e a dedicação para com estes;
deve ser tido como imperativo
assim como é indispensável matarmos a nossa fome e sede.









Seduzíveis

Pisei lado a lado de quem já não podia caminhar.

Guardei passagem para aqueles que queriam ir;
os auspiciavam a passar.

Montei guarda e velei para que nada sucedesse ou perturbasse, 
os que dormiam pacíficos.

De nada adiantou.
Eu mesmo deixei-me ir e seduzir por tudo o que me propunham.

Perdi, 
como por quem eu velava perdeu, 
o que de mais humano eu retinha!
A minha inocência.




28/03/2014

Uma paz

De uma só vez diz-me o tudo e o nada, 
de tudo e de nada!

De uma só vez diz o que é de razão e
o que é tido por irrazoável, sem lados ou fundo!
De uma só vez 
providência a negação de um sim, 
a constatação assertiva de uma negativa!
De uma só vez dá-me a vez na tua frente;
eu certamente ficarei de novo atrás de ti!
De uma vez só 
ouve a musica que eu escuto, 
permite-me a abraçar o que entoas!

Uma só vez toca-me sem esperares que eu te toque!
Olha-me,
vê-me, 
não me tolhas como se for transparente e alheio!
De uma só vez entende o que te digo ao ouvido, 
enquanto adormeces e não sonhas comigo!
De uma só vez arriba-me,
não te enterres na lonjura de mim!
Dá-me a ilusão de que tudo não foi 
um ardil de chagas e remorsos sucessivos!
Deixa-me sentir o que se sente no teu regaço!
De uma só vez faz com a noite se torne dia feito;
que o dia seja noite viuvada de negro carregado,
cede-me uma mágoa tua ocultada e acolhe uma minha remoída!

De uma só vez diz-me o que não me dizes e fica atenta 
aos meus olhos banhados!
De uma vez só, 
sublime vez que o seja;
caminha para mim e não a meu lado!
Berra que és minha e dizei-o já sem voz!
Insulta-me e grita que eu deveria ser teu!
De uma só vez resta-te entre um amor escondido e um exposto ao claro luar!
Aquece-me e faz-me um homem, 
um ser, 
um animal e de novo apenas humano!
De uma só vez nega-me e renega-me, 
volta a renegar-me uma e outra vez até que não mais negar!

De uma só vez, 
faz-me acreditar que eu sou aquele, 
que mais te amou!











26/03/2014

Ser mundo

Não me digam que alguém tem o direito de ser feliz 
enquanto persistir no Mundo quem apenas chore!
Foge ao nosso entendimento 
o que acaba por ser do mais simples e lógico.
Deveríamos saber que somente 
quando esses outros verterem lágrimas "doces", 
é que teremos tal direito por verdadeiramente nosso!

Todavia;
não há que sempre caminhar pela vida de olhos prostrados 
ou inchados de desesperado choro constante.
Temos de procurar os outros e oferecer tudo o que possamos dar.
Este é um dos deveres do ser humano.
Desde uma réstia de atenção a um abraço demorado.
Qualquer pequeno gesto 
tem a maior das relevâncias e sentido guardado!

Ensinar o saber sorrir a gosto largo quase não custa nada.











Resquício de tempo

Fiquei comigo e com o namoro do meu acordar.
Trago do sonho
uma sensação familiar nos meus lábios.
Nas narinas um perfume cuidado e repousado, 
algo meu conhecido e no entanto, 
recente e potenciado de esperança.
Suspirei e sem abrir os olhos, 
respirei a peito feito 
como se não tivesse a memória de como o fazer.

Como se eu aguardar-se 
uma ocasião insuspeita para tal.
Abro os olhos e dou contigo aqui, 
ao meu lado no lado teu da cama que é partilhada a dois.
O meu braço dormente é o teu duro travesseiro, 
que amarras com a tua mão para não sucumbir.

Dormias ainda;
serena, 
sucinta, 
pousada e em paz.
Dormias a meu lado e dei-me conta apenas,
com toda esta pureza, 
eu não precisava de mais nada.








25/03/2014

Refinado adeus

Não me digas o que vens dizer!
Não fales!
Não abras a boca,
a tua voz não se torne audível!
Não me venhas berrar intensa,
decidida,
com um discurso certo e acuminado!

Não tenhas na oração o ditado abandono!
Por isso redigo e ordeno em facto a consumar,
não como consumado, 

que não sejas capaz deste ajuntamento de palavras
formando as frases que não desejo escutar!

Não venhas dar-me um adeus amansado.
Não o faças nem por meu bem ou por teu suposto mal!
Não ajas deste modo repensado como quem requenta um prato
que esfriou abandonado numa mesa posta com um lugar a mais.

Não me digas o que me vens falar.
Se será para ires embora, segue apenas.
Vai-te!
Se não me amas,
para me dizeres adeus
nem precisas de falar.